Para investigação e estudos de mercado
A adaptação de instrumentos psicológicos é difícil e exige alto rigor na metodologia utilizada. Assim, a adaptação de tais instrumentos não é fácil e demanda planeamento e exigências no que toca à preservação do conteúdo, psicometria e validação para a amostra a quem se direciona (Cassepp-Borges, Balbinotti, & Teodoro, 2010).
Por isso, será devida a comprovação das evidências que provam a correspondência de sentidos dos pontos estudados assim como as medidas psicométricas da versão reformulada do instrumento em questão (International Test Commission [ITC], 2010).
Além disso, esta adaptação inclui um ajustamento à cultura, ou seja, a preparação do instrumento para utilização em contextos novos (Beaton, Bombardier, Guillemin, & Ferraz, 2000; Hambleton, 2005; Sireci, Yang, Harter, & Ehrlich, 2006).
A International Test Commission (ITC) trabalha desde 1992 para sugerir orientações para a traduzir e adaptar instrumentos psicológicos entre sociedades com culturas distintas (ITC, 2010).
Assim, traduzir é a primeira ação para tal adaptação, uma vez que ao adaptarmos um instrumento, teremos que ter em conta uma série de aspetos tais como aqueles da cultura, idioma, língua e contextos próprios à tradução do mesmo (Hambleton, 2005). Após feita essa adaptação, é viável a realização de pesquisas entre populações distintas, fazendo analogias entre traços de pessoas de culturas distintas (Gjersing, Caplehorn, & Clausen, 2010; Hambleton, 2005).
O processo de adaptação de um instrumento que já existe para criar um outro instrumento, voltado para a população-alvo, é vantajoso por várias razões uma vez que ao fazer tal ajuste do instrumento, o investigador pode comparar informações de amostras distintas, advindas de mais de um contexto, o que possibilita aumento da equivalência na hora de avaliar resultados, pois se refere a uma igual medida, que realiza uma avaliação partindo de uma mesma visão a nível teórico e metodológico, o que viabilizará também um maior potencial para fazer generalizações e estudar aquilo que é diferente em outras populações (Hambleton, 2005; Vivas, 1999).
Assim, de modo amplo, a literatura indica que para adaptar um instrumento deve haver cinco etapas importantes: (1) traduzir o instrumento do idioma original para o idioma da minha população-alvo, (2) realizar um resumo das versões já traduzidas, (3) analisar a versão resumida por meio de juízes especializados, (4) traduzir de forma reversa para o idioma de original, e (5) estudo-piloto (Hambleton, 2005; Sireci et al., 2006).
Entretanto, percebe-se que, nessas etapas, não constam demais aspetos significativos para a adaptação do novo instrumento elaborado, como, por exemplo, a avaliar de forma conceitual alguns pontos pela própria população-alvo e discutir com quem fez o instrumento original acerca de adaptações e alterações sugeridas para o modelo reformulado do instrumento.
O primeiro ponto significativo a se ter em conta, na adaptação de um instrumento, é a sua tradução para o idioma da população-alvo, ou seja, o idioma no qual o novo instrumento será aplicado, sendo este passo algo difícil, pois, demanda vários cuidados para que o instrumento obtido seja bem adaptado para o contexto de destino e ao mesmo tempo esteja em congruência com aquela versão anterior (Tanzer, 2005).
Dessa forma, antigamente era consenso que somente um tradutor seria o bastante para fazer esta tradução, mas atualmente os estudiosos aconselham que a tradução seja feita por dois tradutores bilíngues, o que reduzirá o risco de outras interpretações com base na linguagem, psicológicas, culturais e de perceção da teoria e da aplicação prática do instrumento (Cassepp-Borges et al., 2010).
A segunda etapa equivale a comparação entre as distintas traduções e avaliação das discrepâncias a nível semântico, idiomático, conceitual, linguístico e contextual, com o propósito de alcance de apenas uma versão, sendo nesse momento possível que surjam dois complicadores: (1) traduções difíceis que tornem mais difícil o entendimento da população-alvo ou (2) traduções muito simplificadas que reduzem o conteúdo de um dado ponto do estudo.
Assim, opções inadequadas serão identificadas e solucionadas por meio de trocas entre os juízes especialistas e investigadores incumbidos de avaliar o instrumento em causa.
Depois do resumo da nova versão, o investigador ter a ajuda de um comitê de especialistas em avaliação a nível psicológico ou que sejam especializados no construto que o instrumento procura avaliar, o qual fará a avaliação de fatores ainda não considerados, como a estrutura e amplitude do novo instrumento.
Nesse momento, os especialistas farão uma avaliação, por exemplo, se algumas expressões empregadas poderão ser ampliadas para outros contextos e amostras populacionais, como as de diversas zonas de uma mesma nação e se estas são apropriadas para a população-alvo.
A tradução reversa é compreendida como uma checagem do controlo de qualidade incremental. Assim, tal etapa irá acontecer depois de todos os ajustes de significados e de idioma, pois, nesse momento o instrumento precisará estar em condições de ser submetido a avaliação por aquele autor que criou originalmente o instrumento (Sireci et al., 2006)..
Dessa forma, a tradução reversa diz respeito a tradução da versão já resumida e revista para o idioma original, tendo como meta avaliar em que nível de precisão a versão nova reflete o conteúdo dos pontos propostos pela versão de origem.
Entretanto, antes de confirmarmos que o novo instrumento está válido para ser aplicado, deve ser conduzido um estudo-piloto, que diz respeito a uma aplicação em momento prévio do instrumento em uma amostra reduzida que esteja de acordo com traços da amostra-alvo (Gudmundsson, 2009).
Assim, depois das alterações propostas no primeiro estudo-piloto, deverá ser feito um segundo estudo-piloto ou a quantidade que for necessária para avaliação precisa do instrumento, antes que este seja aplicado.
No campo da Psicologia têm crescido o número de estudos transculturais, o que, têm demandado maior rigor e cuidado no que toca ao aperfeiçoamento da qualidade e adequação de medições ajustadas e válidas para utilização em diversos cenários (ITC, 2010).
Embora seja sabido que a relevância da adaptação desses instrumentos para culturas diferentes, investigadores têm ressaltado que a maior parte dos estudos nessa área têm sido invalidados devido ao facto de serem consideradas inadequadas a tradução e adaptação dos instrumentos em questão. (Hambleton, 2005).
Tais adaptações são baseadas na tradução de itens para o idioma da população-alvo, sendo que muitas vezes são feitas pelos investigadores da pesquisa que realizam a tradução reversa, na qual verifica-se somente o nível de equidade de sentidos entre um modelo adaptado e aquele original (Cassepp-Borges et al., 2010; Hambleton, 2005; Reichenheim & Moraes, 2003).
Nos estudos da área da psicologia é comum a pesquisa sobre um constructo psicológico por meio do uso de certos instrumentos, como inventários de autorrelato, inquéritos e escalas, especialmente na clínica ou no setor da saúde.
Por isso, se num determinado contexto não existe um instrumento de medição para um certo constructo, este será procurado em países onde já foram feitos testes para validação de versões do instrumento já aplicadas a estudos da mesma natureza e âmbito (Cassep-Borges; Balbinotti; Teodoro, 2010; Duarte; Bordin, 2000).
Não existe um consenso acerca do modo de adaptação de um instrumento para sua utilização no contexto de outra cultura, pois, este procedimento vai variar de acordo com o instrumento e contexto onde se aplica e amostra de destino. Entretanto, existe um consenso de que tal adaptação inclui mais do que a simples tradução, que não assegura a validação do construto e a confiabilidade daquilo que se pretende medir.
De acordo com o International Test Commission (ITC, 2005) as orientações para adaptar testes e demais instrumentos psicológicos devem ter como base a comparação com códigos que já existem no país, procurando fazer com que estes sejam devidamente reconhecidos e tidos como consistentes em outros países. Assim, a tradução e adaptação deve abranger os contextos da língua e cultura da amostra de destino, sendo conservado o mesmo nível de qualidade do instrumento de origem.
Tais orientações da Comissão de Testes Internacional englobam: (a) a utilização da língua devendo ser adequada para todas as amostras populacionais no que toca á diversidade de culturas e línguas de destino; (b) a escolha de uma técnica, forma dos itens e meios de ação, que precisa ser conhecida a todas as amostras-alvo; (c) o conteúdo dos itens e materiais precisam ser já conhecidos a todas as amostras-alvo; e (d) deve ser assegurado que o projeto de recolha de dados possibilita a utilização das técnicas estatísticas pertinentes para estabelecimento da equivalência de itens entre os diversos modelos linguísticos da(s) testagem (s) ou instrumento(s) (ITC, 2005).
A validade de construto se refere ao potencial do instrumento em refletir realmente o tema que procura estudar (Kazdin, 2010).
Assim, uma das opções é usar outro instrumento que possa proceder a avaliação do mesmo construto e fazer a medição da correlação entre eles, sendo que os resultados alcançados através de outro teste validado vão predizer igual desempenho que o anterior e vão servir de base para estabelecer a validação do novo instrumento validado (Pasquali, 2009).
Dessa forma, ambos os instrumentos precisam mostrar evidências de validação ao convergirem ou mostrarem importantes e altos indicadores que apontam correlações. (Shaughnessy; Zechmeister; Zechmeister, 2012).
A confiabilidade é capacidade de produzir resultados consistentes no tempo e espaço, ou por meio de observadores distintos, apontando aspetos acerca da coerência, precisão, estabilidade, equivalência e homogeneidade. (Terwee et al, 2007).
Então, a escolha dos testes estatísticos utilizados para avaliação da confiabilidade varia conforme aquilo que se quer medir (Keszei, Novak e Streiner, 2010).
Já no que toca à validade, existem três tipos mais importantes, validade de conteúdo, validade de critério e validade de construto, sendo que no que toca a este último, é difícil que seja obtida sua validação através de uma única pesquisa, sendo realizadas inúmeras pesquisas acerca da teoria do constructo que se deseja medir (Polit & Beck, 2011; Martins, 2006), pois, quanto maiores as evidências, maior validação terão as conclusões acerca dos resultados obtidos (Kimberlin & Winterstein, 2008).
Assim, os investigadores fizeram uma subdivisão da validade de um constructo em três modalidades: o teste de hipóteses, a validade estrutural e a validade transcultural (Mokkink et al, 2010; Polit, 2015).
Bibliografia
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Cassepp-Borges, V., Balbinotti, M. A. A., & Teodoro, M. L. M. (2010). Tradução e validação de conteúdo: Uma proposta para a adaptação de instrumentos. In L. Pasquali, Instrumentação psicológica: Fundamentos e práticas (pp. 506-520). Porto Alegre: Artmed.
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